Silêncio, exclusão e doença mental
Quando se está vulnerável, espera-se empatia. E o que se recebe? Uma caixa com os pertences.
Na inclusão.pt não temos medo de dizer as coisas como elas são. E às vezes, a realidade é dura. É fria. É injusta. Recebemos o testemunho da Mariana Costa sobre o que aconteceu ao pai, que dedicou a vida inteira a uma associação desportiva e que foi posto de lado no momento em que mais precisava de apoio. Porque a saúde mental continua a ser um dos maiores tabus no nosso país. E porque ainda se acha que um diagnóstico clínico é motivo para apagar uma história de dedicação, de trabalho e de paixão.
Aqui fica o testemunho, sem filtros, tal como o recebemos. Porque não há nada que precise de ser embelezado quando a verdade já fala tão alto:
“Durante mais de 30 anos, o meu pai dedicou-se de corpo e alma à associação desportiva que ele próprio fundou. Foi ele que lançou as bases, que formou atletas, que montou estruturas, que sonhou e concretizou. Trabalhou sem horários, sem esperar reconhecimento, muitas vezes à custa da própria saúde, família e bem-estar.
Foi treinador, dirigente, mentor.
Construiu muito do que hoje ainda lá está — física e humanamente.
Foi, para muitos, mais do que um profissional: foi um exemplo.
Recentemente, atravessou um período difícil, relacionado com uma doença bipolar — uma condição clínica diagnosticada, acompanhada e em tratamento. Este episódio obrigou-o a ser forçado a parar para cuidar de si.
Quando voltou de um internamento, esperava — no mínimo — respeito e empatia.
Mas o que encontrou foi frieza, silêncio e exclusão.
Proibiram-no de regressar ao seu local de trabalho.
Negaram-lhe acesso aos seus próprios documentos, computador, email, como se de um criminoso se tratasse.
Entregaram-lhe os pertences pessoais numa caixa. (Nesta parte eu paro para me rir pelo ridículo da situação)
Nunca lhe explicaram porquê. Nunca houve um processo claro e informado.
Durante todo o tempo em que a sua doença esteve presente, nunca foram tomadas quaisquer medidas ou demonstrada preocupação. Nada foi feito para apoiar ou adaptar o seu lugar. E, de repente, quando ele precisava de ajuda, a situação tornou-se irreversível para eles. Como se o seu valor e dedicação desaparecessem num instante.
E esta semana, numa reunião pedida por ele (por até à data não terem sido apresentados motivos para o afastamento), foi humilhado com acusações infundadas, sem qualquer base legal, sem direito a defesa, sem respeito pela sua história ou pela sua condição de saúde.
É impressionante — e revoltante — como se passa de bestial a besta muito rápido. Num momento és uma referência e o pilar da instituição, e no instante seguinte és descartado, silenciado, transformado num problema a esconder.
Sim, o meu pai cometeu erros durante esta fase maníaca da sua doença.
Mas não os erros que estão a ser agora instrumentalizados, deturpados e usados como desculpa para o afastar. Estão a aproveitar-se da sua fragilidade temporária para o silenciar, apagar e desvalorizar.
Isto é profundamente injusto. É imoral. E é vergonhoso.
Eu vi o meu pai sair daquela reunião destroçado, como nunca o tinha visto.
E senti, pela primeira vez, vergonha do sítio onde cresci, que me ajudou a ser a pessoa que sou.
Mas também sei que foi lá que aprendi a lutar.
E que nunca se baixa os braços.
Esta situação não é apenas pessoal.
É um retrato de como a saúde mental ainda é estigmatizada, e como se usa o silêncio dos vulneráveis como arma.
A saúde mental é real. A exclusão é real. A injustiça é real.
E o silêncio, esse, nunca será uma opção!!”
Obrigado, Mariana.
Obrigado por dares voz àquilo que tantos vivem em silêncio. Este testemunho é mais do que uma história pessoal, é um espelho da realidade de muitos.
Para todos os pais de Marianas, para todos os que deram tudo de si e foram postos de parte quando mais precisavam: força. Não desistam de lutar. A vossa história importa. E aqui, nunca será ignorada.

