CRÓNICASSensibilização

A Vida em Replay – As Crónicas das 17h

Às vezes, o maior obstáculo é um olhar mal interpretado.

Imaginem um cenário simples: a fila do supermercado. Um daqueles momentos banais, que mal merecem um segundo pensamento. Mas, para algumas pessoas, a fila pode ser o palco de uma grande batalha. Foi numa destas filas que me deparei com uma mãe e o seu filho, que aparentava ter cerca de oito anos. Ele tinha síndrome de Tourette e, de tempos em tempos, fazia sons involuntários e movimentos bruscos. Nada de extraordinário, certo? Bom, nem todos pensavam assim.

Logo atrás, uma senhora bufava como se fosse a protagonista de um drama. “Os pais de hoje em dia não sabem educar os filhos!”, disse baixinho, mas o suficiente para ser ouvida. A mãe ficou vermelha, o menino continuou alheio à cena, e eu? Eu fiquei a pensar.

O teatro social do preconceito

Vivemos num mundo onde “ser normal” parece ser a única regra que não se pode quebrar. Mas o que é isso, afinal? Não sermos demasiado barulhentos? Não mexermos demasiado as mãos? Não sermos… visíveis demais? Talvez seja por isso que aquela senhora na fila reagiu como reagiu: não porque ela quisesse realmente julgar, mas porque estava desconfortável com algo que não entendia.

E é aqui que a história se torna interessante: quem precisa de mudar? A mãe e o filho que vivem uma rotina que já exige resiliência extra? Ou a senhora que nunca aprendeu que ser diferente não é uma falha de caráter?

Pequenos gestos, grandes mudanças

No meio daquela cena, uma caixa abriu um novo posto e chamou a mãe e o filho. Eles avançaram, e a senhora atrás deles ficou sozinha na sua fila apressada. Percebi que nem sempre é preciso um grande discurso para combater o preconceito; às vezes, basta criar espaço, literalmente.

Enquanto saía do supermercado, cruzei-me com a mãe e o menino no parque de estacionamento. Ela sorriu, talvez aliviada por aquele pequeno gesto da caixa, ou talvez porque, ao contrário de muitos de nós, ela já tenha aprendido a lidar com os olhares, os bufos e os comentários.

A moral da história

Estamos tão habituados a viver no automático que esquecemos de olhar à nossa volta com intenção. A verdadeira inclusão começa aí, no reconhecimento de que nem sempre é sobre o outro adaptar-se ao mundo, mas sim sobre nós aprendermos a acolhê-lo no espaço que partilhamos.

E, se ainda não estiverem convencidos, lembrem-se de uma coisa: a fila do supermercado é o microcosmos perfeito para observar a humanidade. Lá, no meio de carrinhos barulhentos e promoções de última hora, podemos escolher ser agentes de mudança ou apenas mais uma voz no coro do julgamento.

A escolha é vossa.

Isabel Fernandes


A foto que acompanha este artigo é da autoria de Eduardo Soares, retirada do site Pexels.

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